"Eis um tema que,
efetivamente, macula a jurisprudência trabalhista.
Toda a argumentação,
para negar a condenação em honorários advocatícios na Justiça do Trabalho,
baseia-se na Lei n. 5.584/70. Diz-se, nos termos da Súmula nº 219, do C. TST,
que os honorários advocatícios na Justiça do Trabalho são devidos apenas quando
houver assistência pelo sindicato e quando o reclamante comprovar situação
econômica que não permita demandar sem prejuízo do sustento.
Mas, em que lei,
afinal, está dito isso, meu Deus?
A Lei nº 5.584/70, na
parte em que trata do assunto em questão, cuida da Assistência Judiciária
Gratuita na Justiça do Trabalho.
Para quem nunca leu a
referida lei, eis o seu teor (na parte pertinente ao tema):
Art
14. Na Justiça do Trabalho, a assistência
judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será
prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o
trabalhador.
§
1º A assistência é devida a todo
aquêle que perceber salário igual ou inferior ao dôbro do mínimo legal, ficando
assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que
sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento
próprio ou da família.
§
2º A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado fornecido pela
autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante
diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas.
§
3º Não havendo no local a autoridade referida no parágrafo anterior, o atestado
deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia da circunscrição onde resida o
empregado.
Art
15. Para auxiliar no patrocínio das causas, observados os arts. 50 e 72 da Lei
nº 4.215, de 27 de abril de 1963, poderão ser designados pelas Diretorias dos
Sindicatos Acadêmicos, de Direito, a partir da 4º Série, comprovadamente,
matriculados em estabelecimento de ensino oficial ou sob fiscalização do
Govêrno Federal.
Art
16. Os honorários do advogado pagos pelo
vencido reverterão em favor do Sindicato assistente.
Art
17. Quando, nas respectivas comarcas, não houver Juntas de Conciliação e
Julgamento ou não existir Sindicato da categoria profissional do trabalhador, é
atribuído aos Promotores Públicos ou Defensores Públicos o encargo de prestar
assistência judiciária prevista nesta lei.
Parágrafo
único. Na hipótese prevista neste artigo, a importância proveniente da
condenação nas despesas processuais será recolhida ao Tesouro do respectivo
Estado.
Art
18. A assistência judiciária, nos têrmos da presente lei, será prestada ao
trabalhador ainda que não seja associado do respectivo Sindicato.
Art
19. Os diretores de Sindicatos que, sem comprovado motivo de ordem financeira,
deixarem de dar cumprimento às disposições desta lei ficarão sujeitos à
penalidade prevista no art. 553, alínea a da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art
20. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário.
Como se vê (para quem
quer ver), os artigos 14 e seguintes cuidam, unicamente, da Assistência
Judiciária na Justiça do Trabalho, estabelecendo os efeitos jurídicos pertinentes.
Não há nesses
dispositivos, como de fato não poderia haver, qualquer determinação no sentido
de que “na Justiça do Trabalho os honorários advocatícios só são devidos quando
houver assistência do sindicato”. O que está dito é, unicamente, que a
assistência judiciária será prestada pelo sindicato. Nada além.
Aliás, dos termos da
referida lei o que se pode concluir, por interpretação extraída dos argumentos
da lógica, é que o princípio da sucumbência incide no processo do trabalho.
Com efeito, o art. 16 é
claro ao dizer que os honorários devem ser pagos pelo vencido, sendo que no
caso da prestação de assistência judiciária gratuita pelo sindicato, esses
honorários são revertidos ao sindicato. Trata-se de uma previsão legal que estabelece
uma exceção à regra de que os honorários advocatícios, fixados pela
sucumbência, destinam-se à parte.
A cegueira é tão grande
neste assunto, que se chega estabelecer um percentual de 15% a título de
honorários que não tem qualquer previsão na tal Lei nº 5.584/70 (e poucos, ou
ninguém, se dá conta disso).
O percentual de 15%, na
verdade, está previsto no §1º, do art. 11, da Lei nº 1.060/50:
“Art.
11. Os honorários de advogados e peritos, as custas do processo, as taxas e
selos judiciários serão pagos pelo vencido, quando o beneficiário de
assistência for vencedor na causa.
§1º.
Os honorários do advogado serão arbitrados pelo juiz até o máximo de 15%
(quinze por cento) sobre o líquido apurado na execução da sentença.”
Mas, o valor fixado na
lei é de 15% sobre o líquido apurado na execução. Esse critério de cálculo, no entanto,
não é obedecido pela jurisprudência trabalhista (e ninguém sabe o porquê). Ou
seja, aplica-se uma lei que não seria aplicável e ainda se o faz pela metade.
Mais interessante
ainda, é que se aplica um percentual fixado em um dispositivo de lei que já
fora revogado.
A Lei n. 1.060 é de
1950 e em 1973 o novo Código de Processo Civil deu novos contornos à questão
dos honorários de sucumbência. Nos termos do § 3º., do art. 20, do CPC, os honorários
são fixados no percentual de 10 a 20%, tendo, reiteradamente, a Justiça Comum aplicado
tal dispositivo para a fixação de honorários nos casos de assistência
judiciária gratuita, conforme abaixo:
“ADV:
JOÃO AUGUSTO FREITAS GONÇALVES (OAB 020.18A/RO), ROCHILMER MELLO DA ROCHA FILHO
(OAB 000.635/RO), IZAAC PINTO CASTIEL (OAB 00001498AC) – Processo
001.05.017607-3 – Outras Ações de Rito Ordinário / Ordinário - AUTOR: Ernane
Bezerra Elias - RÉ: Brasil Telecom S/A. - ... 3. DISPOSITIVO Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE
todos os pedidos formulados na ação. Condeno o Autor ao pagamento das custas processuais
e honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da causa, em conformidade
com o § 3º, do artigo 20, do CPC. Entretanto, em razão do deferimento da assistência
judiciária gratuita, às fls. 34/36, ficam os mesmos sobrestados pelo prazo de 05
(cinco) anos, conforme artigo 12, da Lei 1060/50. Publique-se. Registre-se.
Intimem-se. VALOR DO PREPARO: R$ 63,52 (sessenta e três reais e cinqüenta e
dois centavos).”
“AÇÃO
DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – INSCRIÇÃO INDEVIDA DE NOME NOS ÓRGÃOS DE
PROTEÇÃO AO CRÉDITO - DÉBITO PAGO ANTECIPADAMENTE – ABALO MORAL PRESUMIDO –
QUANTUM QUE DEVE SERVIR PARA AMENIZAR O PREJUÍZO PSÍQUICO SUPORTADO PELA VÍTIMA
E REPRIMIR A REITERAÇÃO DE ATOS SEMELHANTES PELO OFENSOR - MAJORAÇÃO CONCEDIDA -
VALOR QUE NÃO SE DESTINA AO ENRIQUECIMENTO DO LESADO - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS
DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS DE
ACORDO COM OS PARÂMETROS DO § 3° DO ART. 20 DO CPC - MANUTENÇÃO DO PERCENTUAL
FIXADO EM PRIMEIRO GRAU - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA
- INTELIGÊNCIA DO ART. 4° DA LEI N° 1.060/50 - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.”
(Apelação cível n. 2005.027541-3, de Concórdia - Relator: Jorge Schaefer
Martins - Data da decisão: 31/10/05)
Mas, o problema é ainda
mais grave, pois sequer a Lei nº 5.584/70 poderia ser invocada mesmo no que
tange à prestação da assistência judiciária gratuita.
Fato é que a Lei nº
10.288/01 derrogou os dispositivos da Lei nº 5.584/70 referentes à assistência judiciária
gratuita, ao incluir o § 10 no artigo 789, da CLT, com o seguinte teor: “O sindicato
da categoria profissional prestará assistência judiciária gratuita ao
trabalhador desempregado ou que perceber salário inferior a 5(cinco)
salários mínimos ou que declare, sob responsabilidade, não possuir, em
razão dos encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover a
demanda.”
Mais tarde, a Lei nº
10.537, de 27 de agosto de 2002, trouxe novo regramento para o artigo 789, da
CLT, e simplesmente não repetiu a regra contida no §10, acima mencionado.
Presentemente, por
imposição do §3º, do art. 790, da CLT, cuja redação também foi dada pela Lei nº
10.537/02, permite-se ao juiz conceder os benefícios da assistência judiciária
gratuita, sem qualquer vinculação à assistência sindical.
Eis o seu teor:
“§3º É facultado aos
juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer
instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita,
inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário
igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei,
que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento
próprio ou de sua família.”
Portanto, interpretam-se,
equivocadamente, vários dispositivos legais, muitos deles já revogados, para negar
a aplicação da sucumbência no processo do trabalho.
O princípio da sucumbência
no processo do trabalho, inegavelmente, incide no processo do trabalho, tanto que
a improcedência total dos pedidos sujeita o reclamante ao pagamento das custas
processuais e a avaliação de pretensão que requeira prova técnica sujeita a
parte sucumbente ao pagamento dos honorários periciais.
Mesmo vigente o artigo
791, não se pode deixar de reconhecer que sua aplicabilidade, na realidade das
Varas do Trabalho demonstra-se, nitidamente, excepcional, e sendo assim não
pode constituir o fundamento para se criar uma regra, qual seja a de negar a
condenação em honorários advocatícios no processo do trabalho.
Até porque, o
fundamento básico da prestação jurisdicional justa consiste em que a parte que
tem razão não seja penalizada com qualquer custo processual, revertendo-se estes
para a parte perdedora.
E, sob a perspectiva do
conceito de processo efetivo, ou seja, aquele que é eficiente para dar a cada
um o que é seu por direito e nada além disso, a presença do advogado é fator
decisivo para a consecução deste ideal. Com efeito, nos processos trabalhistas,
não raramente, discutem-se temas como: interrupção da prescrição; ilegitimidade
de parte, em decorrência de subempreitada, sucessão, terceirização, grupo de empresas;
litispendência; personalidade jurídica; desconsideração da personalidade
jurídica; tutela antecipada; ação monitória; contagem de prazos; nulidades processuais;
ônus da prova etc... Mesmo a avaliação dos efeitos dos fatos ocorridos na
relação jurídica sob a ótica do direito material nem sempre é muito fácil. Vide,
por exemplo, as controvérsias que pendem sobre temas como: aviso prévio
cumprido em casa; subordinação jurídica; política salarial; direito adquirido;
horas in itinere ; salário in natura; integrações de verbas de natureza
salarial; contratos a prazo; estabilidades provisórias etc..., ou seja, saber
sobre direitos trabalhistas, efetivamente, não é tarefa para leigos. Juízes e
advogados organizam e participam de congressos, para tentar entender um pouco
mais a respeito desses temas e muitas vezes acabam saindo com mais dúvidas.
Imaginem, então, o trabalhador...
Por fim, impõe-se pôr
em destaque a nova roupagem dada pelo atual Código Civil, em vigor de janeiro
de 2003, ao instituto do inadimplemento das obrigações.
O novo Código não se
limita a fixar que descumprimento da obrigação sujeita o inadimplente ao
pagamento de perdas e danos, que eram, na sistemática do antigo Código, nas
obrigações de pagamento em dinheiro, limitados aos juros de mora e custas
(arts. 1.056 e 1.061, do antigo Código). O novo Código é bem mais severo com o
devedor inadimplente e nos termos do artigo 389, o devedor que não cumpre a
obrigação de pagar, no prazo devido, responde por perdas e danos, mais juros, atualização
monetária e honorários advocatícios.
Este dispositivo
enfraquece ainda mais o entendimento que não considerava devidos os honorários advocatícios
no processo do trabalho. Ora, como se vê do novo texto legal, os honorários não
decorrem simplesmente da sucumbência no processo, mas do próprio inadimplemento
da obrigação (art. 389, do novo Código Civil).
Reforce-se este
argumento com a observação de que as perdas e danos, nos termos do artigo 404,
em casos de obrigações de pagar em dinheiro (caso mais comum na realidade trabalhista)
abrangem atualização monetária, juros, custas e honorários, sem prejuízo de
pena convencional que se não houver e não sendo os juros suficientes para
suprir o prejuízo dão margem ao juiz para conceder indenização suplementar.
O entendimento de que
no processo do trabalho não há condenação em honorários advocatícios, trata-se,
portanto, de posicionamento que fere vários preceitos legais e constitucionais,
isto sem falar dos ideais do movimento de acesso à justiça.
Devidos, portanto, os
honorários advocatícios na ordem de 20% sobre o valor da condenação."